Turistas disputam espaço na Ilha | | |
por Abílio Dantasfoto Wagner MeierDo Areião ao Ariramba: pesquisa analisou frequentadores da orla oeste da praiaSeus primeiros habitantes, que tinham por hábito preparar peixes numa técnica chamada de moqueio, se surpreenderiam caso pudessem prever o futuro do local onde viviam. Além das mudanças físicas, com o surgimento de pontes sobre as águas dos rios e igarapés, os índios Tupinambá veriam práticas de vida totalmente diferentes das suas. E estranhariam um personagem que não vive na Ilha, mas visita-a com frequência em busca de lazer: o turista. Essa vocação para o turismo teve início no final do século XIX e no início do XX, quando famílias de classes privilegiadas, advindas do comércio da borracha no Estado, começaram a construir casas de arquitetura semelhante às construções europeias ao longo das praias da orla oeste da Ilha. Essas pessoas procuravam um lugar onde poderiam respirar um ar mais puro e descansar durante o veraneio. A dissertação intitulada "Ordem e desordem do território turístico: a chegada do estranho e os conflitos de territorialidades na orla oeste de Mosqueiro, Belém/ PA", do professor de Geografia Willame de Oliveira Ribeiro, defendida em 2007 na Universidade Federal do Pará (UFPA), mostra que a mentalidade dos primeiros turistas continua presente na Ilha, no entanto, não está sozinha, convive com outros pontos de vista e formas de vida. E é daí que surgem os conflitos. Orientado pela professora Maria Gorette Tavares, o pesquisador Willame Oliveira Ribeiro limitou-se a estudar a área da orla oeste, que vai da praia do Areião até a praia do Ariramba. O trecho, onde estão localizadas também as praias do Farol, Chapéu Virado, Porto Arthur e Murubira, foi escolhido por ser um dos principais espaços de lazer metropolitano. Segundo o pesquisador, os conflitos entre as práticas turísticas são explícitos neste local por concentrar pessoas de várias classes sociais, idades e estilos de vida. No desenvolvimento da pesquisa, Willame Ribeiro identificou dois tipos de turistas constantes na Ilha de Mosqueiro: o turista de segunda residência e o turista excursionista. O primeiro grupo é formado por famílias com bom nível financeiro, com residência no território turístico, buscando a Ilha para descansar e desfrutar das belezas naturais. Já o turista de excursão tem como principal característica o fato de não permanecer mais que um dia no local. Ele pertence, geralmente, às classes baixas e participa de atividades conhecidas por concentar um grande número de pessoas, como as micaretas. Discursos revelam interesses e pontos de vistaA partir dos anos 1990, a presença de turistas de excursão aumentou bastante. Surgiram, então, políticas públicas e discursos que tornam a pesquisa de Willame Ribeiro muito importante para entender essa realidade. Os turistas de segunda residência possuem um olhar, predominantemente, elitista e romântico. Por isso eles são chamados de "bucólicos". A Ilha de Mosqueiro, na visão desses, deve ser um lugar aos moldes dos estereótipos de ilhas paradisíacas, desertas, em que a tranquilidade de seu descanso seja a regra principal. Os turistas de excursão possuem um olhar classificado como coletivo, em que o convívio com outras pessoas torna-se algo positivo, diferente do primeiro tipo. Recebem a classificação de "farofeiros", termo pejorativo utilizado pelos que fazem oposição aos excursionistas. Em todos os países, existe este tipo de turista que se reúne em grupos e prepara algum alimento de forma coletiva. "Mesmo que o 'farofeiro' típico não apareça tanto em Mosqueiro, pois as excursões organizadas e a comida coletiva não são tão presentes", ressalva o professor. De acordo com o pesquisador, durante as entrevistas, foi curioso perceber as diferenças entre as falas dos dois tipos de turistas. Os excursionistas possuem uma variedade maior de opiniões. Alguns apresentam uma postura semelhante à dos de segunda residência quando consideram que fatores, como barulho e sujeira, teriam aumentado com esse tipo de turista. Outros alegam que não enxergam conflitos. Em contrapartida, os de segunda residência sempre demonstram visões negativas sobre os primeiros. Alguns chegam a explicitar a questão do preconceito de classe, deixando claro que os conflitos também são econômicos, como no trecho a seguir, referente à participação de turistas excursionistas em shows: “[...] onde está limpo, a rataria vai embora". Conflitos e reordenamentoOs conflitos discursivos e reordenamentos territoriais começaram a ocorrer com mais evidência a partir de 1999, quando a Prefeitura Municipal de Belém (PMB) criou a tarifa de transporte urbano entre Belém e Mosqueiro. A medida facilitou o acesso dos mais pobres à Ilha, o que significou uma ameaça ao ordenamento tradicional do lugar, que sempre foi dominado pelos turistas de segunda residência e pela elite local. Uma série de fatores caracteriza o reordenamento territorial da prática turística em Mosqueiro. Primeiro, o estabelecimento ou territorialização dos turistas excursionistas na orla oeste. Aos poucos, a promoção de eventos populares, como micaretas, foi crescendo e tornando a orla o espaço natural deste tipo de turista, adequando-a, inclusive, ao olhar coletivo, não mais ao olhar bucólico do turista de segunda residência. Porém, isso ocorre somente nos períodos em que o turista de excursão é predominante. Segundo a pesquisa, 73% dos entrevistados frequentam o espaço apenas nos finais de semana de férias, principalmente, em julho. A prática turística de segunda residência, obviamente, também mudou, ocorrendo a desterritorialização e seu consequente rearranjo. Começaram a ocorrer vendas de imóveis e desvalorização financeira de casas e apartamentos, pois as dinâmicas sociais predominantes não condiziam mais, estritamente, com um olhar romântico. Para permanecer na Ilha, os turistas de segunda residência começaram a se comportar de forma diferenciada. Passaram a frequentar a Ilha, apenas, em períodos com pouca movimentação, longe das férias escolares, por exemplo. Como segunda opção, começaram a frequentar áreas mais afastadas, como a praia do Paraíso, onde o acesso para os excursionistas é mais difícil. E, por fim, transformaram suas casas em locais onde podem se divertir sem precisar do mundo de fora, compraram e construiram piscinas e churrasqueiras, por exemplo. Willame Oliveira Ribeiro ressalta que o objetivo da pesquisa é buscar o entendimento dos vários discursos apresentados e não contribuir, necessariamente, para a elaboração de políticas públicas. No entanto, ele acredita que nenhuma forma de cerceamento ao acesso à Ilha de Mosqueiro deve ser pensada ou mantida, já que o local é um bem público. "É preciso pensar políticas que levem em consideração os diferentes olhares e garantam o lazer de todos, pois os espaços de lazer são muito escassos em Belém", ressalta o pesquisador. |
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