O Diário do Pará
Domingo, 16/08/2009, 11h34
Invasões desordenadas ameaçam futuro de Mosqueiro
Maior das 35 ilhas que compõem o patrimônio fundiário de Belém e principal polo turístico da capital paraense, a ilha do Mosqueiro dificilmente conservará por muito tempo esse título. Suas matas, mantidas praticamente intactas durante séculos, estão sendo rapidamente destruídas por invasores que vão tomando conta de tudo. Sem dar explicações a ninguém e sem ninguém a lhes exigir satisfações, eles vão se constituindo aos poucos nos novos donos da ilha - ditando, diante da omissão geral, a sua sentença de morte.
Os crimes ambientais se repetem dia e noite, à frente de todos. Clareiras se abrem diariamente em pontos diversos da ilha. A fauna silvestre, antes abundante em algumas áreas, é alvo de uma caçada implacável e já começa a escassear. Os igarapés que banham o interior da ilha – como o Cachorro, Água Boa, Murubira, Pratiquara e Ugoropá, entre outros – já estão seriamente comprometidos, quer pela destruição das matas ciliares, em diversos trechos, quer pelo progressivo assoreamento a que estão expostos.
INSUSTENTÁVEL
Os problemas, porém, não param por aí. A ilha do Mosqueiro, berço de um ecossistema reconhecidamente frágil, não oferece condições mínimas para qualquer atividade economicamente sustentável derivada da exploração do solo. A retirada da cobertura vegetal tem como resultado, portanto, apenas a degradação ambiental, mas não retorno econômico suficiente para a sobrevivência de famílias numa ocupação em escala intensiva.
Se alguns dos invasores são, de fato, famílias pobres que não têm onde morar, a maior parte é constituída de espertalhões que invadem, derrubam a floresta, vendem a madeira, demarcam o terreno, vendem o “lote” e vão invadir outra área, fazendo das ocupações itinerantes um modo fácil de obter dinheiro. Diante da omissão geral, não há como diferenciá-los e acaba prevalecendo o entendimento de que, como não há ordem nem lei, a ilha do Mosqueiro é mesmo terra de ninguém, o que acaba atraindo novas levas de invasores.
A ocupação desordenada já apresenta sequelas graves e de difícil reversão. É o caso, por exemplo, dos lixões que vão brotando em pontos diversos da ilha, inclusive próximos de mananciais. Os depósitos de lixo são a consequência natural da falta de planejamento, da inexistência de coleta regular e da pouca ou nenhuma atenção que os novos moradores têm com a questão ambiental.
Outro problema gravíssimo diz respeito à violência e à criminalidade. Nas áreas de invasão, segundo os moradores locais, costumam se homiziar todo tipo de delinquentes, incluindo traficantes de drogas e fugitivos da Justiça. Algumas áreas do Mosqueiro apresentam hoje índices crescentes de furtos, assaltos e arrombamentos. É o que acontece, por exemplo, no bairro do Murubira às proximidades da ponte da Variante, obra construída sobre o rio Murubira.
São poucos os motoristas que se arriscam a passar pela ponte durante a noite, já que ali costumam se concentrar bandidos fortemente armados para interceptar veículos. Desde que surgiram, ali próximo, duas áreas de invasão, os moradores vivem em sobressalto e os assaltos se tornaram cada vez mais frequentes e violentos. Como o que aconteceu, ainda esta semana, a uma família com dois bebês, que passaram horas de terror em poder de cinco bandidos fortemente armados.
Secretarias não agem, MP não apura e PF só vê terras da União
Proprietários particulares que tiveram suas terras invadidas na ilha e obtiveram liminar da justiça continuam a esperar, em vão, o cumprimento das reintegrações de posse - o que, aliás, tem sido uma praxe no Pará.
Do Ministério Público Estadual não há informação sobre procedimentos para apurar os crimes ambientais na ilha. Dos órgãos ambientais do Estado e do município, o que tem havido até hoje são ações tímidas e descontínuas, insuficientes para conter a fúria invasora e garantir a preservação da ilha.
A ação mais efetiva é da Polícia Federal. De acordo com informação fornecida na sexta-feira pela assessoria do Ministério Público Federal, há uma investigação feita pela PF, em inquérito policial instaurado para apurar possível invasão de terras da União localizadas na estrada da ilha do Mosqueiro (PA-391), além de ocorrência de crimes ambientais na área de ocupação irregular, a exemplo de desmatamento em área de preservação ambiental. Esses crimes, segundo revelou o MPF, são atribuídos a grupos de invasores ainda não identificados.
O secretário municipal de Meio Ambiente, José Carlos Lima (PV), disse que a Semma e a Delegacia do Meio Ambiente fizeram, durante o mês de julho, um sobrevoo na ilha do Mosqueiro para identificar as áreas mais críticas no tocante aos desmatamentos provocados por invasões. Identificados esses pontos, conforme frisou, será iniciada nos próximos dias uma ação direta.
De acordo com José Carlos Lima, a área continental de Belém soma 19 mil hectares, contra 33 mil hectares distribuídos por 35 ilhas. No atual nível de cobertura vegetal em seu sítio urbano e na região insular, conforme frisou, Belém é uma das poucas capitais do mundo capazes de zerar as emissões de carbono. Daí a necessidade, de acordo com o titular da Sema, não somente de preservar as florestas remanescentes, mas redobrar a atenção nas ilhas sobre o problema do lixo e a qualidade da água.
Os problemas, como se vê, são conhecidos, tanto quanto as soluções que eles exigem. O que está faltando ao poder público, de fato, é disposição para agir. E é esse alheamento que vem provocando a ruína do Mosqueiro, deixando em seus moradores o sentimento da desesperança. “Isso é irreversível. Nós estamos perdidos”, afirma, por exemplo, o empresário Amândio Ribeiro, proprietário de um posto de gasolina instalado na vila.
Português de nascimento e paraense por opção, Amândio Ribeiro reside no Mosqueiro há 43 anos, quase a vida toda. Sua descrença com o futuro da ilha é hoje tão avassaladora que ele já está fazendo planos para mudar de ares. Já foi conhecer Soure e Salvaterra, no Marajó, a ilha de Algodoal e, mais recentemente, uma pequena vila às proximidades de Salinópolis. “Mosqueiro só poderia sobreviver do turismo, e é exatamente essa possibilidade que está desaparecendo”, diz ele. (Diário do Pará)
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