ALCIR DE VASCONCELOS ALVAREZ RODRIGUES
Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro: memória e significado
BELÉM
2006
ALCIR DE VASCONCELOS ALVAREZ RODRIGUES
Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro: memória e significado
Monografia apresentada ao curso de Pós-Gradua-
ção “lato sensu” do Centro de Ciências Humanas
e Educação da UNAMA, como requisito para ob-
tenção do título de Especialista em Língua Portu-
guesa e Análise Literária, sob orientação da Profª
Ms. Ivânia Corrêa.
Belém-Pará
Universidade da Amazônia
2006
Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro: memória e significado
Avaliado por:
___________________________________
___________________________________
Data: _____/ _____/ _____
Belém-Pará
Universidade da Amazônia
2006
Dedico este trabalho a todos aqueles que, neste
país, jamais tiveram vez e voz. Que um dia pos-
sam vir a ter.
Meus agradecimentos extremados aos
Srs. José Brígido da Trindade e José
Bentes Bahia.
Por isso eu pergunto
A vocês no mundo
Se é mais inteligente
O livro ou a sabedoria.
(Marisa Monte)
Há uma poesia qualquer perdida na Quarta Rua, ou no Pratiquara, na ponta do Maracajá ou na Pedreirinha que atrai, prende, sufoca, domina nossos desejos, conduz nossos sentimentos, guia nossos passos em busca da felicidade!
(Augusto Meira Filho)
Resumo
Esta monografia apresenta duas narrativas de dois moradores da Ilha do Mosqueiro, transcritas e analisadas por nós com o escopo de demonstrar que − principalmente na quase total ausência de documentação − a oralidade, a Historia oral, pode ser relevante fonte de dados que preservem e valorizem a memória local, permitindo, assim, a apreensão de fatos e informações acerca do funcionamento da estrutura sócio-histórico-cultural da comunidade da Ilha.
Abstract
This monographic work presents the oral narratives of two Mosqueiro’s residents. They are transcribed and analyzed with the objective of to demonstrate when there is scarcity of documentation, orality, oral History, can be very important data fountain to preserve and to give value to local memory, permitting, therefore, the apprehension of facts and information about the cultural-historical-social structure of the island’s community.
Sumário
APRESENTAÇÃO 10
Capítulo 1 13
A importância da oralidade 13
1.1 Importância e descaso 13
1.2 A tecnologia e a ressurreição da voz 14
1.3 Narrativas orais: a voz/vez do povo 15
1.3.1 A História oral e Paul Thompson 16
1.3.2 O mito e sua importância dentro da oralidade 13
1.3.3 Malinowski, Geertz, Eliade, McLuhan, etc. 17
Capítulo 2 20
Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro 20
2.1 Passos da pesquisa 20
2.1.1 Mosqueiro 20
2.1.2 O transcorrer da pesquisa 24
2.1.3 Entrevistados 25
2.2 Análise das narrativas 27
2.2.1 Transcrição da narrativa oral do Sr José Brígido da Trindade 27
2.2.2 Transcrição da narrativa oral do Sr. José Bentes Bahia 29
2.2.3 Sobre as transcrições 30
2.2.4 Análise da narrativa do Sr. José Brígido da Trindade 31
2.2.5 Análise da narrativa do Sr. José Bentes Bahia 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS 39
Anexos
Referências bibliográficas
Introdução
Nos anos finais da década de 1980, fomos convidados para ilustrar o livro Mosquei-ro: lendas e mistérios , do professor e amigo Claudionor dos Santos Wanzeller. Havíamos recentemente ingressado na Universidade Federal do Pará, e tivemos de dividir o tempo entre os estudos e a concepção das ilustrações, que expúnhamos para o escritor, que procurava nos dizer como queria os desenhos, no total de 10.
O tempo passou. Concluímos a graduação em Letras com o TCC O fantástico em “A caçada”, da moderna ficcionista brasileira Lygia Fagundes Telles. Finalmente, no início de 2005, o livro do professor Claudionor Wanzeller foi publicado. Teria sido por causa desse livro que ilustramos, tal interesse pela literatura ligada ao sobrenatural? Não exatamente, já que lembramos, ainda, com vivacidade dos tempos de infância e das histórias que ouvíamos dos nossos pais, dos parentes e dos vizinhos, à noite, na frente de nossa casa. E, percebendo que há uma enorme diversidade temática nas narrativas orais, sejam elas sobrenaturais ou não, propusemo-nos escrever esta monografia, denominada de Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro: memória e significado. Tais narrativas ainda resistem na memória dos mais idosos moradores da Ilha, mas já começam a cair no esquecimento das gerações mais novas. Felizmente, embora de modo esparso, há seus registros gráficos, como é o caso dos livros Mosqueiro, ilhas e vilas (1978), de Augusto Meira Filho; Ilha, capital Vila (1972), de Cândido Marinho Rocha; Mosqueiro: lendas e mistérios (2005), de Claudionor dos Santos Wanzeller, entre outros.
Sempre veiculadas de forma oral, essas narrativas − que coletamos por meio de gravações feitas em entrevistas e depoimentos informais − contam histórias/estórias, ainda vívidas na memória de muitos mosqueirenses, e vêm de tempos idos de décadas atrás, da época do transporte fluvial, do bonde puxado a burro, da implantação da Fábrica Bitar (de borracha), do trenzinho “Pata Choca” (como o denominava carinhosa e ironicamente o povo), da lamparina e dos candeeiros, ou mesmo ainda um pouco mais próximo da atualidade, do tempo da usina de força, quando a energia elétrica só era fornecida até às 11h da noite, ou quando, após a construção da ponte sobre o Furo das Marinhas, a energia − “a luz” −, vez por outra, faltava. Nessa época, anterior à construção de Tucuruí, com os freqüentes blackouts, as famílias, e pessoas vizinhas, reuniam-se em frente de suas casas, à espera de voltar a luz. E, para passar o tempo, contavam casos de visagens, assombrações, aparições, fantasmas, matintas, casos de metamorfoses, procissões de almas-penadas, etc.
Os mais velhos contavam com extrema vivacidade e imenso prazer esses “fatos”, que causavam nos mais novos um misto de curiosidade e medo, satisfação e tensão. Contudo, as gerações mais novas, atualmente, quase que desconhecem essas narrativas (sobrenaturais ou não; anedotas do cotidiano da Ilha, relacionadas ao trabalho doméstico, à pescaria, à caça − antes de ser proibida −, ao futebol, ao serviço público, aos costumes antigos e já desapareci-dos, por exemplo), que poderiam correr o risco de se perder por não serem mais veiculadas. Porém, essa riqueza cultural pode e deve ser preservada, não obstante os diversos fatores que concorrem negativamente para tal.
No Capítulo 1, para atingir nossos objetivos e analisar narrativas orais, com o intuito de detectar nelas toda uma riqueza de traços sócio-histórico-culturais, que estimulam e pre-servam a memória espácio-temporal e humana, pautamo-nos em autores como Vladimir Propp (formalismo/funcionalismo), Lévi-Strauss (estruturalismo), Malinowski (‘trabalho de campo’), Paul Tompson (História oral) e Geertz (interpretativismo e etnoconhecimento), todos esses que, de um modo ou de outro, desenvolveram trabalhos teórico-práticos sobre a oralidade, estudo até então negligenciado pela intelligentsia extremamente escriptocentrista. O estudo desses autores e suas obras constituíram para nós relevantíssimo norte, sem o qual não poderíamos desenvolver a trilha pedregosa e espinhenta de nossa pesquisa.
No Capítulo 2 partimos para a práxis propriamente dita de nosso trabalho, ou seja, a análise das narrativas de dois informantes. Contudo, primeiramente, sentimos necessidade de discorrer sobre o locus − Ilha de Mosqueiro − em seus aspectos mais relevantes: econômicos, históricos, geográficos e culturais. Também fazemos menção às dificuldades que enfrentamos no transcorrer da pesquisa, além de apresentarmos os entrevistados, em breves biografias. E, acima de tudo, este Capítulo 2 contempla a transcrição e análise − como já mencionamos − de duas narrativas de moradores ilhéus, o que é, de fato, o cerne, o motor, a razão de ser de nossa monografia.
Capítulo 1
A importância da oralidade
Aqui damos início a um capítulo que tratará de fundamentos teóricos norteadores da análise que faremos das narrativas orais transcritas por nós. Primeiramente, daremos atenção ao fato de haver um extremado descaso da intelligentsia, de modo geral, para com o estudo da oralidade. Em seguida, faremos menção aos avanços tecnológicos e sua intervenção na oralidade, partindo de idéias de McLuhan e Lévi-Strauss. Apresentaremos a perspectiva da História oral, a partir de estudos de Paul Thompson, além de breves levantamentos de como foram primeiro sistematizados os estudos de oralidade, a partir do formalismo/funcionalismo de Propp, desembocando em Lévi-Strauss (estruturalismo), enfatizando, ainda, o trabalho de eminentes estudiosos, como Propp (já citado), Malinowski, Geertz, Eliade, entre outros.
1.1 Importância e descaso
Sem dúvida nenhuma, oralidade e escrita são modalidades específicas de manifesta-ção da linguagem verbal, mas, de maneira alguma, podemos afirmar que são totalmente diferentes, ou que são excludentes em si, ou seja, no contexto de uma, a outra se apagaria. Isso é um contra-senso, pois são modalidades interdependentes. No entanto, temos a absoluta certeza, o ser humano comunica-se com seu(s) outro(s), na maior parte do tempo, oralmente. Então, cabe-nos perguntar: “Por que tanto descaso houve com os estudos de oralidade?”
Muitas razões podem ser levantadas. Uma delas é que o etnocentrismo das culturas européias (escriptocentristas) sempre subestimou os povos conquistados, entre outras deno-minações técnicas, chamados de ágrafos (não-escriptocentristas) ─ povos, portanto, “sem história”, “sem cultura”. Só que, sabemos, o silenciamento sobre a história e a cultura desses povos tem uma perversa razão (dominação econômica, política, bélica, muitas vezes) de ocorrer. É um absurdo científico que prevaleceu durante séculos; contudo, esse “falso mito” (se é que podemos chamá-lo assim) já cai por terra, em face dos estudos científicos cada vez mais aprofundados e divulgados acerca da oralidade. Mais incongruente, ainda, porque “... afinal, as sociedades com cultura escrita surgiram a partir de grupos sociais com cultura oral...”, segundo Eric Havelock, no ensaio “A equação oralidade ─ cultura escrita: uma fórmula para a mente moderna”, contido no livro Cultura, escrita e oralidade (1997: 18).
1.2 A tecnologia e a ‘ressurreição da voz’
Conforme Sérgio Augusto , referindo-se a McLuhan,
[...] a civilização oral está em vias de extinção com o surgimento de uma nova era ─ a tecnológica ─ cujos instrumentos mais importantes são a TV, o cinema, o rádio, o telefone e os computadores. Se a imprensa causou uma explosão ─ dividindo a sociedade em categorias ─ as médias (sic!) eletrônicas estão provocando uma implosão, forçando as massas a um retorno à unidade tribal. Os resultados dessa nova revolução são positivos, diz o autor, porque possibilitam a simultaneidade de ação e reação, a mudança do status das minorias, do adolescente, envolvidos numa vida simultânea, sem divisões de fronteiras, crenças, línguas e posições sociais.
Todavia, apoiando-nos em Lévi-Strauss (1978: 35), contrapomo-nos a essa idéia de ‘unidade tribal’, pois é um contra-senso
[...] conceber uma época futura em que haja apenas uma cultura e uma civilização em toda a superfície da Terra. Não creio que isto venha a acontecer, porque há sempre a funcionar diversas tendências contraditórias ─ por um lado, em direção à homogeneidade e, por outro, a favor de novas diferenciações. Quanto mais homogênea se tornar uma civilização, tanto mais visíveis se tornarão as linhas internas de separação; e o que se ganhou a um nível perde-se imediatamente no outro.
E o antropólogo ainda continua: “... não consigo entender como é que a Humanidade poderá viver sem algum tipo de diversidade interna.”
Sem necessitar atermo-nos à problemática da existência dos benefícios e malefícios da globalização ( de fato, cremos convictamente que benefícios há, mas para os componentes do G 7 , não para as nações ditas periféricas), queremos fazer contraponto a McLuhan no que diz respeito a avanços na eletrônica, particularmente com os de moderníssimos aparelhos audiovisuais. Por exemplo, o que sabemos do talento de artistas cantores ou atores de teatro dos séculos XVIII e XIX é o que podemos ler da opinião de seus críticos, não podemos saber de vê-los ou ouvi-los. Não é a mesma situação dos da atualidade. No caso específico (e mais relevante para nossa pesquisa), o registro de áudio, seja em disco de vinil, fita magnética cassete, fita de videocassete, CD, DVD, ou seja, de modo analógico ou digital (isso quase não importa), eternizou cantores, realizando o ‘milagre’ da ressurreição da voz. Em vez de se dizer “Ninguém cantava como a Elis!” ─ lógico, para quem a admira ─ , hoje, deve-se dizer ”Ninguém canta como a Elis!” Nunca antes foi possível o que agora se tem feito para preservar a imagem e o som, tanto que pelo mundo inteiro tem proliferado a fundação de museus da imagem e do som. Para nosso estudo, interessa-nos mais o som. Que seja muito bem-vinda esta nova era para a oralidade.
1.3 Narrativas orais: a voz/ vez do povo
Os subcapítulos a seguir discorrem acerca da oralidade como fonte de pesquisa para a construção de conhecimentos sociais, históricos e culturais, a partir da História oral ideali-zada por Paul Thompson, além de discutir a importância do mito para a oralidade, na perspectiva estruturalista de Lévi-Strauss, e, ainda, fazendo considerações sobre o legado de eminentes estudiosos, tais como Malinowski, Geertz, Eliade, McLuhan, etc.
1.3.1 A História oral e Paul Thompson
A postura em geral adotada pelos pesquisadores é a de quase repúdio à prática de usar narrativas orais como fonte de dados relevantes para o conhecimento de uma realidade em geral desprovida de documentação escrita, como se a oralidade não pudesse ser fonte significativa para estruturação de conhecimentos sociais, históricos e culturais. Porém, Thompson (1992: 10) discorda desse fato, e conclui ser mais democrática e socialmente consciente a história oral, que tem por sujeito o povo , geralmente anônimo e sem vez e voz, quando se trata de uma posição metodológica de estudos conservadora, que só tem olhos para os great men.
Para esse autor, é extremamente necessário “... preservar a memória física e espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a me-mória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos.”
1.3.2 O mito e sua importância dentro da oralidade
Todavia, Paul Thompson é autor bem mais contemporâneo, próximo de nós, da atualidade. Por isso, convém a nós reconhecer o trabalho precursor, inovador do russo Vladimir Propp, que publicou, em 1928, a obra Morfologia do conto maravilhoso, em que sistematiza estudos de oralidade a partir da análise formal e funcionalista dos contos de fadas, em cuja estrutura encontra 150 elementos, 31 funções e 7 personagens constantes.
Mais tarde, nos anos de 1950, o antropólogo Claude Lévi-Strauss se valerá da pesqui-sa do autor russo, dando origem à corrente de pensamento chamada de estruturalismo , para analisar mitos de povos ditos “primitivos”. É relevante enfatizar que tal vocábulo (mito), em nosso idioma, é polissêmico, isto é, engloba inúmeros sentidos (dependendo do contexto em que esteja sendo empregado), dentre os quais destacamos este, do estudioso Mirchea Eliade (2002:11):
O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes sobrenaturais, uma realidade passa a existir, seja uma realidade total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie de vegetal, um comportamento humano, uma instituição.
É relevante destacar que Lévi-Strauss, segundo o endereço eletrônico, que menciona-remos,
[...] adaptó por sua vez primera esta técnica [o formalismo, de Propp] de analisis lingüística a la crítica analítica de los mitos. Em su trabajo sobre los sistemas mitológicos de tribus primitivas, realizado sobre la analogia com la estructura lingüística, adoptó el término mytème, com la afirmación de que el sistema de significado dentro de los mitos tiene es muy análogo al de um sistema lingüístico (http://es.wikipedia.org/wiki/mitema, acessado em 03/01/2006).
Em outras palavras, o eminente antropólogo francês ( autor de, entre outras obras, Mito e significado: 1970; Antropologia estrutural dois: 1996; O pensamento selvagem: 1997), supera a formalidade da análise somente das funções proppianas, na busca do sentido para a criação dos mitos em dada cultura, afirmando refletir-se neles a estrutura das relações sociais do povo que deu origem à narrativa mitológica.
1.3.3 Malinowski, Geertz, Eliade, McLuhan, etc.
Outro relevantíssimo trabalho é o do polonês Bronislaw Malinowski, antropólogo que, entre outros ensaios, escreveu Magic, science and religion (and other essays), de 1954, de cujo texto nos utilizaremos do excerto “A coleta e a interpretação dos dados empíricos”, importante material de orientação sobre o ‘trabalho de campo’, que tem origem na viagem e permanência desse estudioso durante alguns anos nas ilhas Trobiand (de junho de 1915 a maio de 1916 e depois retorno em 1917), no Pacífico sul, na Oceania, estudando o povo dali, com seus costumes ditos ‘exóticos’.
Na esteira dessas obras precursoras, outras surgiram, de autores que se debruçaram sobre o tema da pesquisa da oralidade. Podemos destacar, entre outros, citados no livro Cultura, escrita e oralidade, de David R. Olson e Nancy Torrance: Herbert Marshall McLu-han ( A galáxia de Gutenberg, de 1962), Jack Goody e Ian Watt ( o artigo “As conseqüências da cultura escrita”, 1963) e Eric Havelock ( Prefácio para Platão, de 1963). Não é uma lista exaustiva, portanto. Nossas orientações básicas para o desenvolver de nossas pesquisas advi-rão dos autores citados em primeiro plano: Propp, Lévi-Strauss e Thompson. De alguma maneira, as idéias do canadense McLuhan, autor polêmico, sevirão de contraponto para reflexão, já que muitas de suas afirmações, atualmente, não se confirmam na realidade presente.
Clifford Geertz desperta-nos crucial interesse, também, por seu paradigma hermenêutico, por buscar relativizar o conhecimento, que se transforma, assim, de fato, em etnoconhecimento, já que a ‘interpretação’ dos fatos da cultura de um povo ─ segundo esse autor ─ depende dos dados culturais de quem realiza a tal ‘interpretação’, sendo de vital importância o lugar , o ângulo onde se põe o pesquisador. Seríamos injustos se não confessássemos depender, também, dos estudos do russo Mircea Eliade (Mito e realidade: 1986) para nossas futuras deduções sobre os mitos “vivos” que povoam o imaginário da comunidade à qual se refere nossa pesquisa.
Tudo a que nos reportamos até aqui diz respeito a questões teóricas, indicadoras essenciais de um norte para as análises, que se seguirão no próximo capítulo, a partir do cor-pus relativo à transcrição de duas narrativas orais, entre as cinco que registramos (presentes em anexo) em entrevistas com moradores da Ilha de Mosqueiro.
Capítulo 2
Narrativas orais da Ilha de Mosqueiro
Neste segmento de nosso estudo, apresentaremos uma breve visão da ilha em seus aspectos mais essenciais: geográficos, históricos, econômicos e culturais. Também abordaremos o desenrolar de nossa pesquisa (a bibliografia, os entrevistados, o contato com eles, a forma de coleta de dados). E, acima de tudo, o cerne mesmo de nossa monografia: as narrativas transcritas e analisadas nos termos propostos por nossa pesquisa.
2.1 Passos da pesquisa
É impossível não fazer menção a dados relevantes sobre o locus onde se deu nossa pesquisa, a não ser que quiséssemos incorrer em erros banais de metodologia de pesquisa. Então, a seção que se segue tratará desses dados relevantes.
2.1.1 Mosqueiro
Mosqueiro é uma ilha, mas não uma ilha comum, pois, embora banhada pelas águas fluviais (por isso, águas doces) de três baías (Baía de Santo Antônio, Baía do Marajó e Baía do Sol), suas praias recebem ondas de tamanho considerável, fato bastante incomum, só pos-sível na foz do Amazonas, beneficiando a prática do turismo em várias ilhas que servem como balneários de Belém, como Caratateua (conhecida como Outeiro), Cotijuba, além de Mosqueiro, entre outras menos conhecidas.
Consideramos relevante lembrar que há três teses acerca da etimologia da palavra Mosqueiro: a primeira de que evoluiu de ‘moqueio’ , processo de conservação do pescado, segundo Meira Filho (1978: 31); a segunda hipótese afirma que a origem do nome é Ibérica, visto que existem em Portugal e Espanha lugares assim denominados, conforme informa Brandão . Claudionor Wanzeller (2005: 13) afirma, ainda, ter a denominação vindo do nome de um pirata espanhol, chamado Rui de Mosquera, que teria aportado nas praias mosqueiren-ses no século XVI. Os primeiros habitantes da ilha, muito antes da chegada dos colonizadores, como informa a estudiosa Maria da Paz (2000: 75), foram “[...] os índios Tupinambá da Ilha do Sol, e os índios Morobira da aldeia de Mortiguara”.
Salientamos que já existe uma bibliografia razoável sobre a ilha de Mosqueiro, no entanto quase inacessível, em vista de sua raridade, em termos de exemplares disponíveis ao público. Portanto, constitui grande dificuldade ter em mãos livros como os citados em nossas referências bibliográficas, de grande importância pelos dados relevantes por eles registrados, como Mosqueiro, ilhas e vilas, de Meira Filho; Ilha, capital Vila, de Cândido Marinho da Rocha; ou mesmo o livro Ilha do Mosqueiro: cenário de lutas amazônidas na trilha de sua sobrevivência, dissertação de mestrado da professora Maria da Paz, entre outras obras difíceis de encontrar.
Mosqueiro se localiza na foz do Rio Amazonas e tem como fonte de sustento para seus habitantes as atividades da pesca, do artesanato, do comércio (com destaque para a informalidade), do serviço público estadual e municipal, da construção civil e, principalmente, do turismo. Na verdade, muitos ilhéus vivem do subemprego como ‘caseiros’. Alguns, bem poucos, vivem do extrativismo, como a população ribeirinha.
Balneário, oitavo distrito de Belém , Mosqueiro está ligado ao município de Santa Bárbara, no Furo das Marinhas, pela ponte Sebastião R. de Oliveira, inaugurada em 12. 01.1976. Dista de Belém aproximadamente 60,5 km pelas rodovias BR 316 e PA 391 . Sua extensão territorial corresponde a “[...] 234 km², segundo a Secretaria de Economia [...]”, consoante informa Maria da Paz (2000: 74), exibindo a ilha um conjunto de belas praias no litoral norte, todas em forma de enseadas de extensão variada, com 17 km de extensão total: Areão, Bispo, Prainha (Praia do Lobato, para alguns), Praia Grande, Prainha do Farol, Farol, Chapéu Virado, Porto Artur, Murubira, Ariramba, São Francisco, Carananduba, Maraú, Caruara, Paraíso, do Sítio Paissandu, do Sítio Conceição, Praia Grande da Baía do Sol, Bacuri e Fazendinha. Há controvérsias entre os autores quanto ao total de praias, suas denominações e seu seqüenciamento, quando listadas.
Quanto a esse fato, pensamos que sejamos capazes de apresentar uma possível solu-ção às controvérsias:
1) Os autores, como mencionamos, não estão de acordo em relação à quantidade de praias no litoral norte do Mosqueiro, nem em relação às suas denominações (inclusive estas apresentam problemas quanto à grafia), nem em relação à sua enumeração em listagem seqüencial, começando do Areão, até a Fazendinha. Por exemplo, Maria da Paz (2000: 74) enumera 15 praias, omitindo Maraú e Paraíso. Já Lairson Costa ( 2005: 10) cita 20 praias. Cândido Marinho Rocha (1972: 25) conta 17 praias. Meira Filho (1978: 64) aponta 21. No site mosqueiro.com.br aparecem listadas 23 praias. Com relação à seqüência, alguns autores, por exemplo, localizam Caruara antes do Maraú, ou após o Paraíso: de fato, fica entre uma e outra, e é grafada como paroxítona, ou seja, sem o acento agudo. Meira Filho cita Ponta Alegre, que seria o Porto Artur. Lairson Costa acrescenta entre o Areão e o Bispo uma praia, que chama de Praia da Ponte. No site já mencionado aparece a praia denominada de Menino Jesus (a qual ignoramos por completo).
Outra questão a ser discutida é a seguinte: após o Carananduba, antes do Maraú, al-guns autores, e o povo também, apontam as seguintes denominações para aquela praia: Caruará (concluímos, já, que é um erro de localização, além de erro de prosódia/grafia), Iguaçu, Praia da Primavera e Praia do Bosque. Talvez um plebiscito resolvesse a questão.
Nossa proposta de seqüenciamento, para tentar solucionar a questão, é esta: Areão, Praia da Ponte, Bispo, Prainha (ou Praia do Lobato), Praia Grande, Prainha do Farol, Farol, Chapéu Virado, Porto Artur, Murubira, Ariramba, São Francisco, Carananduba, Praia do Bosque (Iguaçu ou Primavera, ou seria já Maraú mesmo, constituindo o início dessa praia), Maraú, Caruara, Paraíso, Praia do Sítio Conceição, do Sítio Paissandu, Praia Grande da Baía do Sol, Bacuri (ou do Anselmo), Camboinha e Fazendinha, perfazendo um total de 23 praias, portanto. Contudo, como dissemos, é uma proposta. Deve, e tem, de ser discutida.
2) Outra questão de discórdia é a grafia da palavra Maraú/Marahú. Tal denominação, de praia tão bela ─ Marahú ─, sugere certo modismo um tanto bizarro, já que, com o ‘H’, o ‘U’ não necessitaria de acento agudo. Todavia, a solução mais prática está em buscar luz, digamos assim, em autores mais antigos e consagrados, como Meira Filho e Cândido Marinho. Nos livros destes, a palavra surge grafada assim: Maraú. Em nossas pesquisas, encontramos o município de Maraú, na Bahia (esta, sim, com ‘H’, por causa de um tradição bem explicada e bem aceita), a 440 km de Salvador. O vocábulo é de origem tupi e significa “luz do sol ao amanhecer”, originando-se da palavra mayarahú , esta, sim, grafada desse modo, com ‘H’. Não sabemos se daí é que surgiu a “idéia” de Marahú, palavra que, de tempos para cá, tem sido usada para denominar a bela e longa enseada banhada pela Baía do Sol.
Capítulo à parte seria talvez necessário para comentar o descaso extremo com que as autoridades tratam questões tão vitais para os ilhéus, que muitas vezes sentem-se tratados como cidadãos de terceira categoria. O cerne dessas questões diz respeito à educação, com falta de vagas para os estudantes, ou, quando muito, freqüentando séries com salas superlotadas, faltando professores, que só são contratados no fim do ano, para ‘quebrar o galho’; diz respeito à cultura, ao esporte e ao lazer, só fomentados sazonalmente, quando chegam períodos de férias para os belenenses, ou Carnaval e Semana Santa. Mosqueiro, então, pode ser comparado à ‘Terra-do-já-teve’. Foram embora − talvez para não mais voltar − o transporte fluvial, a Biblioteca Cândido Marinho Rocha, o Cine Guajarino, as bandinhas, os clubes de futebol, as agremiações carnavalescas de outrora, como a Expedição Africana, Os Aliados da Vila, etc.; a saúde é outra área deficitária quanto às possibilidades de atendimento de pacientes de urgência e emergência. Entretanto, a área mais prejudicada é a da Segurança Pública, um verdadeiro caos, nada funciona, assim como o transporte público.
2.1.2 O transcorrer da pesquisa
Como qualquer trabalho de pesquisa, o nosso não escapuliu aos percalços, que tive-mos de enfrentar, e vencer, de variadas ordens. A primeira barreira está relacionada à aquisi-ção dos livros que deveríamos ler para engendrar o referencial teórico norteador de nossa monografia. As editoras, no final do ano ─ ignorávamos por completo este fato ─, entram em recesso e não remetem livros às livrarias, mesmo que sob encomenda. Tivemos que em-prestar das bibliotecas, principalmente da Unama. Por exemplo, o de Vladimir Propp, já citado por nós, está esgotado e dele só há um exemplar no SBU (Sistema de Bibliotecas da Unama). Tivemos que buscar nossos próprios meios para tê-lo em mãos e estudá-lo. Do mesmo modo, os livros que têm por tema Mosqueiro, entre eles o de Meira Filho, quase todos esgotados e, raríssimos, dificílimos de encontrar.
Trabalhando como educador para a Seduc e para a Semec, pouquíssimo tempo nos sobrou para pesquisar, tendo em vista a não-coincidência dos recessos de final de ano letivo. Residir no distrito de Mosqueiro, e enfrentar a distância até a capital, também causou desconforto. Escolher e adquirir o equipamento (gravador, fitas, cartão de memória mais potente para a câmera digital) foi outro fator a obstar nosso percurso, e oneroso também. Mas tudo isso foi superado, enfim, o que nos deu bastante satisfação.
A geração dos dados de nossa pesquisa de campo ocorreu a partir de uma abordagem de estudos na perspectiva interacional-interpretativa, importando nos dados mais seus aspec-tos qualitativos que quantitativos. Foram entrevistadas pessoas já conhecidas do pesqui-sador, de maneira informal, com mínimas intervenções feitas, gravando seus ‘depoimentos’ em equipamento de áudio (tempo total em gravador de microfita cassete) e equipamento de audiovisual (tempo parcial em câmera digital). Buscamos orientações no capítulo 7 (“A entrevista”), do livro de Paul Thompson, A voz do passado: História oral. Tivemos alguma complicação no uso do equipamento e na transcrição (ruídos, chiados, voz baixa, vocábulos e expressões semi-inaudíveis ou incompreensíveis), o que tornou o processo complexo, lento e estafante. Contudo, foi outra etapa superada com êxito.
2.1.3 Entrevistados
A primeira pessoa entrevistada por nós é o Sr. José Brígido da Trindade, nascido em 1933, portanto, com 72 anos, residente na Av. Getúlio Vargas, nº. 738, Vila. Nascido em Mosqueiro, passou sua infância, adolescência e parte da juventude na Ilha. Viveu também em Belém durante algum tempo. Atualmente aposentado, como funcionário público municipal por Belém, trabalhou como datilógrafo, escriturário e tesoureiro. Estudou até a 5ª série e depois concluiu o Ensino Fundamental pelo Projeto Minerva. Apesar de mencionar que os fatos às vezes lhe fogem à lembrança, é pessoa de memória vívida, de conversa fluente e bem-humorada, que muito pode contribuir como informante em pesquisas futuras, pela gama de conhecimentos que salvaguarda em sua lúcida mente e sua bem organizada ‘pasta’ de documentos antigos. Reside com sua sobrinha, Neliza, que é também sua filha de criação, pessoa primeira contatada por nós, para nos apresentar de modo mais espontâneo possível (em benefício da entrevista) para seu pai, o entrevistado.
O segundo informante se chama José Bentes Bahia. Reside na Al. Davi Teixeira, s/nº. Nasceu em 1934. Logo, tem 71 anos. Nasceu e sempre viveu em Mosqueiro. Está apo-sentado, atualmente. Vive sozinho em um pequeno sítio, à beira do igarapé Tamanduaquara. Foi caçador, pescador, pedreiro, comerciante, mas se considera sobretudo marceneiro e açougueiro. Como seu sítio fica à beira do rio, ainda gosta de trabalhar fazendo montarias , que costuma alugar por R$ 5,00 por dia. Estudou até a 3ª série do Ensino Fundamental. Dono de uma imensa sabedoria, de conhecimento empírico, Seu Broa, como é conhecido, assim como o entrevistado anterior, tem diálogo escorreito, muito bem-humorado e cheio de histórias para contar, entre elas algumas “fabulosas”, que relata com extrema alegria e vivacidade. Também, como procedemos com o entrevistado anterior, primeiro contatamos seu filho, Marcos, que nos ajudou, intercedendo por nós perante seu pai, o que facilitou o contato.
É importante lembrar que ambos os informantes demonstram sentir uma grande ale-gria em compartilhar seus conhecimentos com os mais jovens e demonstram, também, ter enorme entusiasmo pela vida. Muito se tem a aprender/apreender com suas ‘memórias’.
2.2 Análise das narrativas
Entre as várias narrativas relatadas pelos dois entrevistados, destacamos estas duas, que passamos a transcrever agora:
2.2.1 Transcrição da narrativa oral do Sr. José Brígido da Trindade
O Sr. Brígido, como é simplesmente conhecido na Vila do Mosqueiro, concedeu-nos uma entrevista em que nos relatou inúmeros fatos e prestou esclarecimentos relevantes, numa conversa fluente e amigável, na varanda de sua residência. É verdade que tivemos dificuldade na transcrição de seus relatos, visto sermos inexperientes no uso do equipamento de gravação, ficando a fita com trechos quase inaudíveis, por causa de problemas já mencionados nesta monografia. Desta feita, procedemos recuperando trechos de imprescindível importância, salvaguardando a fidedignidade das informações originais. As lacunas, claro, prejudicam a íntegra do trabalho, no entanto todo o esforço fizemos para que os dados correspondam aos originais, e a fala esteja transcrita quanto mais exato seja possível fazê-lo, respeitando as legítimas palavras e opiniões do entrevistado.
Seguem abaixo excertos das narrativas do Sr. Brígido:
Eu gostava de estudar. À noite, pegava a lamparina, acendia a lamparina,e ficava, sabe, estudando. Estudando mesmo. Quando chegava na escola, já tava tudo na cabeça. Então, ia fazer sacanagem... (...) rendia castigo pra gente, né. Por exemplo, no Grupo Velho... Eu comecei a ter raiva de terço, desde aquela altura, que era castigo você rezar o terço... e botava de joelho, que era aquele Cristo que ainda tá lá... desde o Grupo Velho. Botava lá de joelho a gente, sabe. Aquele negócio de ajoelhar no monte de milho, tinha também, aí. Não era fácil, não.
Agora, eles não me botavam de joelho porque... eu ia ter de ficar só com um joelho, o outro não tem nada... (Ele riu bastante, contagiando também o entrevistador.)
Então, tinha uma diretora... uma boa professora, professora Noêmia. Ela teve um problema que ela tinha uma bochecha maior do que a outra. Égua! Mas a mulher, sabe?, era muito inteli-gente. Mas ela era perversa também. Gostava de dar castigo pra gente. E um dia... o Grupo Velho, ainda... (...)
Aqui o Sr. Brígido conta uma ‘peraltice’ dos tempos de estudante, pela qual ele e seus colegas foram duramente castigados, e tiveram de ficar trancados no banheiro.
Outro trecho relevante:
Eu saí em 46. Tenho o diploma e tudo... guardado. Gosto daquele diploma. E, naquelas alturas, no interior, com 13 anos terminava a 5ª série. Era barra! Mas... Agora, Inglês de Sousa... Não sei por que botaram o nome de Inglês de Sousa. Se bem que eu tenho até um livro dele aqui. (...) Herculano Marcos Inglês de Sousa. (...)
O que passava pela frente era o trem, né, o trem: uma locomotiva movida a lenha, né, com três, quatro vagões. Um dia vinha com três, vinha com quatro. (...)
Então, ela passava lá. Ela vinha lá do Porto Artur, Chapéu Virado, passava pela 3ª Rua. Aí, entrava pela Pratiquara... porque onde é o atual mercado, lá era a estação da...da... porra da maria-fumaça... (...)
Ela vinha devagar, sabe? Dava vontade da gente morcegar... (risos) E terminava a aula e poder... Ela passava bem na frente do Grupo e ela sempre devagar, sabe. Dava pra gente pular... Sabe como é... (...) ... estudante... moleque também... (...)
Tornou-se quase impossível prosseguir com esta transcrição, em vista dos problemas já explanados anteriormente. Todavia, cremos já´ter do Sr. Brígido, aqui, material sufi-ciente pra proceder uma rica análise.
2.2.2 Transcrição da narrativa oral do Sr. José Bentes Bahia
Em meio a uma conversa informal, na sua propriedade, bem na beira de um igarapé (chamado de Tamanduaquara) o entrevistado, entre outras histórias, umas sobrenaturais, outras relatando fatos do cotidiano de outrora, algumas jocosas, relatou-nos esta:
Se eu for te contar história, meu irmão, é o dia inteirinho te contando história daqui do Mosqueiro. Tem história bonita e tem história feia.
Esse negócio de achar dinheiro, isso não é mentira, não. O pessoal já acharam muito dinheiro. Porque no livro mesmo diz que a maior fortuna tá enterrada na Baía do Sol, dos cabanos, que aqui tinha o maior forte cabano... a maior... soldado, exército... O Angelim que veio pra cá, o Eduardo Nogueira Angelim, ficou na Baía do Sol, né. Então, lá eles fizeram a camboa. Tem camboa na Baía do Sol que fica a cobra grande, entendeu? Tem até hoje.
Então, lá que eles conseguiram sustentar, né. Tinha 4 mil homens. Quando eles fracassavam em Belém, que eles saía daqui, eles ganhavam a guerra em Belém. Tinha muita gente, soldado.
Então diziam que aqui tá todo o dinheiro, dinheiro vivo. Diz que aqui tá todo o dinheiro enterrado da cabanagem, que eles pegavam todo o dinheiro dos caras, tomavam o dinheiro.
Inclusive, tem uma história do velho Ângelo, do velho Ângelo da Baía do Sol,pai do Beca. Tinha um preto que ficava lá dentro da taberna dele, (...) com ele... Tinha uma parte que vendia peixe que só, peixe. Tinha peixe salgado, que ele mandava praí pro Moju,pra trocar com farinha, milho... encheu canoa pra lá... E tinha um cupuaçuzar lá, tem um cupuaçuzar. Aí ele pegou e disse pro preto assim:
─ Preto ─ chamou lá o nome do preto ─ vai roçar, vai cair cupuaçu, vai logo roçar lá debaixo do cupuaçuzeiro, pra quando começar a cair não dar trabalho.
Aí o cara pegou o terçado e saiu pra lá, e ainda levou o filhozinho dele. Aí, tinha umas árvores dentro do mato. Ele pegou e disse assim:
─ Vai lá naquelas árvores lá.
Aí, quando ele viu, o preto velho, o moleque chegou com o pote.
─ Olhe, pai, esse pote que eu achei no cupuaçuzeiro.
Aí, o velho disse assim:
─ O que deixaram aí nesse pote? Destampa.
Destampou o pote. Tava cheio de moeda de ouro. Era grego... Que naquela época era libra, libra esterlina, né, libra. Era em grego, italiana, né? Aí ele pegou, botou a porra do pote no ombro. Chegou lá, entrou pelo lado assim, que era separado o peixe, era separado do comércio. Aí, ele botou o pote em cima da banca lá. Aí, chegou lá. O velho Ângelo, ele tomava uma cachaça, o velho Ângelo também tomava uma; tomava uma, ele tomava uma...
Aí, ele pegou o velho Ângelo assim pelo braço e disse:
─ Olha, português filha da puta, tu deixa de sacanagem comigo, viu? ─ O preto velho dizendo pro velho Ângelo.
Aí ele:
─ Por que, já?!... Que é?!...
─ Vem cá.
Ele se levanta, chega:
─ Olha lá, vê, foste bota, foste bota o pote cheio de dinheiro lá, pensando que eu sou ladrão. Eu não sou ladrão. Te manca comigo! Te manca comigo, português, viu? Te manca comigo!
Aí, o velho Ângelo disse pra ele:
─ É... agora eu to satisfeito, que deu pra ver que tu não é ladrão. Vai botar isso debaixo da cama.
Ele pegou e foi botar debaixo da cama. O filho do preto é que tirou uma moeda, entendeu? Ele usava, usava diz que lá na Baía do Sol, usava com um fio amarrado no pescoço, a moeda.
Pra tu ver... Aí que o velho Ângelo ficou rico demais, ficou. Essa história todo mundo conta lá na Baía do Sol. Não sou eu, não...
Tem enes histórias que tem no Mosqueiro... Eu te falei outro dia que não tá fazendo 10 anos, não tá fazendo 10 anos, o cara achou aqui no Mari-Mariaçu?... Já ouviste contar essa?
─ Não...
Palavra! Tá ali! Se tu quiser entrevistar o cara, tu vai. Tá vivo o cara! Olha, é mais ou menos assim... Eu não sei bem como é a história... Mas é mais ou menos... Uma vez fui pegar tucunaré, que lá tem muito tucunaré, tem uma mangueira...
E, com a uma expressividade contagiante, seu José quase não me deixava partir para casa, de tanta história que conhece e queria me contar.
2.2.3 Sobre as transcrições
É pertinente esclarecer que as narrativas transcritas, logicamente, muito perdem de sua espontaneidade e expressividade, já que, no papel, é praticamente impossível reproduzir o tom de voz, a gesticulação, o olhar, a expressão fisionômica dos entrevistados ─ pessoas que transmitem,em seus relatos, uma surpreendente vivacidade e um conhecimento memorialista que pode e deve ser preservado.
Nas atividades de ouvir, transcrever e “ler” as narrativas pudemos sem quase esforço algum detectar nelas a presença de traços sócio-histórico-culturais que preservam a memória de Mosqueiro (no que diz respeito a aspectos tais como economia, relações sociais, fatos históricos relevantes, geografia local, hábitos cotidianos, eventos cíclicos festivos, variantes lingüísticas, etc.). Por exemplo, a narrativa do Sr. Brígido, faz referência a “castigos” impostos aos alunos por causa de ‘indisciplina estudantil’. Um desses castigos era ficar ajoelhado sobre grãos de milho, ou rezar o terço, fruto de confusão entre educação e opressão, religiosidade/fé e temor. São traços típicos e marcantes de uma época e seus valores cotidianos.
2.2.4 Análise da narrativa do Sr. José Brígido da Trindade
O Sr. José Brígido, tal qual nosso outro entrevistado que teve relato transcrito, oferece-nos dados de extrema riqueza a ser explorada, de natureza histórica, social, geográfica, pedagógica, religiosa, etc. Em sua narrativa, no início, reporta-se ao uso da lamparina para estudar à noite, o que nos permite a inferência de que energia elétrica não havia no Mosqueiro daquela época (década de 1940) em que ele era estudante. Só décadas depois é que seria criada, pelo Município de Belém, a Usina de Força, que funcionava irregularmente e deixava de fornecer “luz” após as 23 horas. A partir da energia vinda da hidrelétrica de Tucuruí, já na década de 1980, é que passaria a haver energia elétrica na Ilha 24 horas por dia.
Devido à carência generalizada de infra-estrutura fornecida pelos governos (estadual e municipal), a educação só atendia a população até a 5ª série, dita ginasial, naquele tempo, no Grupo Escolar do Mosqueiro (do sistema estadual), chamado comumente pelo povo de Grupo Velho, que mais tarde receberia a denominação de Inglês de Sousa , chamado de Grupo Novo. Essa escola ainda existe: fica na Vila, na R. Tenente Coronel José do Ó (ou, para o povo, 3ª Rua), e atendia toda a Ilha, tendo os alunos que se deslocar dos pontos mais distantes, quase sempre a pé, e tendo que sair bem cedo, para não perder as aulas. Uma enorme dificuldade.
O Sr. Brígido nos informa como era a ‘disciplina’ escolar na época. Sem quase liber-dade alguma, aos alunos eram infligidos castigos físicos, como ficar ajoelhado no monte de milho, ou morais, como ficar rezando o terço, ajoelhado(a) em frente a uma imagem de Jesus Cristo. Claro que devemos evitar interpretações anacrônicas, contudo, não podemos deixar de opinar sobre o que pensamos ser equívocos educacionais (no que diz respeito à metodologia e didática de aplicação de medidas “socioeducativas” ‘daquele tempo’) e religiosa (no que diz respeito à mistura de religiosidade/fé e temor). Ambas − educação e religião − impunham valores por intermédio da opressão, do medo, do terror mesmo. Não poderia dar certo, nem em uma, nem em outra, mesmo em se tratando da religião católica, já que o Brasil é a maior nação católica do mundo; tanto que nosso entrevistado diz, numa passagem de sua entrevista: “[...] eu detesto esse negócio de terço [...]”. Diríamos ser, também, detestável a maneira de ‘estimular’ os estudantes por meio da sabatina: quem errasse o cálculo, ou uma data qualquer de um fato histórico, apanhava com a palmatória.
Nosso entrevistado faz alusão ao trenzinho, uma locomotiva do tipo maria-fumaça, que conduzia de três a quatro vagões, ligando a Vila ao chapéu Virado. Buscando apoio em Brandão & Dantas (2004:69), encontramos as seguintes informações:
O primeiro transporte oficial aproximando a ‘Vila’ do ‘Chapéu virado’ foi inaugurado em 1904, o Ferril-Carril, bonde com tração animal, propriedade de Arthur Pires Teixeira. Com o aumento de passageiros, provocado pela instalação da linha fluvial Belém-Mosqueiro, o Ferril-Carril é substituído por uma pequena locomotiva conhecida como ‘Pata Choca’ que se encarregava de levar quatro ou cinco vagões.
Sobre a denominação Chapéu Virado, de uma praia, de um bairro e de um antigo ho-tel, convém lembrar o seguinte: C. Wanzeller (2005: 47) explica a denominação deste modo:
“[...] Para aquele local, conhecido na época como ‘o lugar onde o chapéu vira’, convergiam vários caminhos, alguns vindos do interior da ilha e outros que levavam à praia, onde os pescadores moqueavam o peixe. O vento, canalizado por esses caminhos, chegava à clareira com grande violência, arrebatando os chapéus de palha da cabeça dos caboclos desprevenidos e lançando-os a distância.”
Já em Brandão & Dantas (2004: 65), encontramos os seguintes esclarecimentos:
Colonos portugueses fabricavam no local chapéus com abas denominadas beiras. Para alguns historiadores a expressão ‘chapéu beirado’ teria se convertido, com a pronúncia portuguesa, em ‘chapéu birado’ e depois ‘chapéu virado’. Outra possibilidade é a da corruptela cabocla que identificava a beira como a parte virada do chapéu.”
Nosso informante refere-se a um topônimo: Porto Artur. Era um comendador que possuía um chalé em frente à praia que hoje recebe o nome de Porto Artur, por causa do porto que ficava em frente a sua casa, onde podia aportar o barco que trazia sua família para o aprazível fim-de-semana. Hoje, além da praia, um logradouro também tem seu nome: Trav. Artur Pires Teixeira. A razão de se dar importância a esse ilustre freqüentador da Ilha é que foi ele fundador, além da linha férrea, do primeiro e único cinema de Mosqueiro: o Cine Guajarino, que, conforme Pedro Veriano (1999: 40), funcionou de 1912 até 1976.
O Sr. Brígido falou, ainda, de dois logradouros: a 3ª Rua e a Pratiquara. O nome oficial da 3ª Rua é Tenente Coronel José do Ó. É bem comum na Vila esse fato, pois a grande maioria dos moradores costuma nomear os logradouros de 1ª, 2ª, 3ª, etc., até a 8ª Rua. Porém, todas têm nomes oficiais de personalidades históricas que, de um modo ou de outro, foram relevantes para a história do Mosqueiro de outrora. Pratiquara é o nome de uma travessa importante na Vila, bairro mais antigo da Bucólica (que é outra denominação da Ilha). É de origem tupi o vocábulo e originou-se a partir do principal rio que banha Mosqueiro, o Pratiquara, que , em português, significa “rio das pratiqueiras’. Muitos outros topônimos no Mosqueiro são de origem tupi: Mari-Mari, Ariramba, Carananduba, Sucurijuquara, etc.
A expressividade de nosso entrevistado vem de sua espontaneidade ao falar, de seu ótimo humor, da coloquialidade de sua fala. Por exemplo, emprega a palavra ‘morcegar’ que, segundo Houaiss (2004: 1959), significa, no contexto usado, “[...] embarcar ou saltar de (trem, bonde etc) em movimento.” E, de certa forma, sentimo-nos também com vontade de morcegar, tanto o trenzinho, quanto a narrativa contada, tamanha a vivacidade e importância de suas reminiscências.
2.2.5 Análise da narrativa do Sr. José Bentes Bahia
A narrativa do Sr. Bahia apresenta uma gama de dados muito rica, a tal ponto que ( nestes tempos em que na educação muito se discute ─ e quase nada se aplica ─ sobre a pluri, a multi, a inter e, mesmo, a transdisciplinaridade, a visão holística do conhecimento, a teoria das inteligências múltiplas), a tal ponto, reiteramos, que se prestaria a uma análise multifacetada de aspectos que notoriamente saltam aos olhos.
O Sr. José Bahia faz referência à Cabanagem em várias passagens, como esta: “ [...] a maior fortuna tá enterrada na Baía do Sol, dos cabanos, que aqui tinha o maior forte cabano [...]” Fato este que pode ser confirmado por autores idôneos, como Pasquale Di Paolo (1985: 295): “[...] em 21 de janeiro de 1836 enviou [ o marechal Manuel Jorge Rodrigues] uma ex-pedição com 100 homens a Mosqueiro, que conseguiu, numa dura batalha, derrotar o posto cabano do Chapéu-Virado [...]”. Meira Filho, C. Wanzeller e Brandão confirmam esse fato .
A narrativa localiza os fatos ocorridos numa das mais antigas comunidades do Mosqueiro, que é a Baía do Sol, que, segundo Brandão & Dantas (2004: 64), é localidade com praias banhadas “[...] pela baía de mesmo nome, foi habitada por índios que cultuavam o ‘Deus Sol’. No dia 22 de junho os raios solares costumam formar um ângulo de 90° com a superfície; este fenômeno é denominado equinócio.” Ali na Baía do Sol, dos tempos em que o relato remonta, até os tempos atuais, a pesca artesanal e de subsistência é hábito cotidiano, existindo lá a Colônia de Pescadores Z-9. E árvores frutíferas regionais (como o cupuaçuzeiro) são ainda muito cultivadas nos quintais. Tanto ‘naquele tempo’, como hoje, a ingestão de aguardente de cana (cachaça) é outro costume cotidiano, presente no relato do Sr. José Bahia.
O Sr. Bahia refere-se a camboa, vocábulo que, entre outros sentidos, nomeia uma espécie de armadilha construída na beira da praia, para aprisionar peixes. Ora, uma das praias de lá se chama Camboinha. Uma coisa e outra provavelmente estão ligadas.
Segundo o nosso citado informante, “Tem camboa na Baía do Sol que fica a cobra grande, entendeu? Tem até hoje.” Esse mito ─ da cobra grande − é muito divulgado e ocorre em muitos pontos geográficos da Ilha, além de lá da Baía do Sol. Por exemplo, algumas pes-soas afirmam ter visto aparecer no Pau Amarelo (região ribeirinha), na Ponta do Amor (ilha que fica na praia do Farol), ou que mora na Fábrica Bitar .
Segundo Walcyr Monteiro (1993: 206), “ A Cobra Grande é outro ser aquático descrito como sendo uma cobra de enormes proporções, cujos olhos são como dois faróis e que afundam grandes embarcações com faciliodade. Pode ainda transmudar-se num navio encantado. Muitos rios amazônicos e até mesmo igarapés têm a ‘sua’ cobra grande, considerada ‘mãe’ desses lugares.”
Fazendo cotejo com os livros Abaetetuba conta..., Belém conta... e Santarém conta..., do Programa de Pesquisa O Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense (IFNOPAP), da UFPa, verificamos a recorrência do mito da cobra grande em inúmeros relatos (treze, no total, nos três livros), o que nos leva a concluir que, em todas as narrativas o mito é o mesmo, apesar das pequenas variações apresentadas. No livro A imagem mítica, de Joseph Campbell , constatamos que a serpente como manifestação mítica é de natureza mundial, ou seja, manifesta-se em quase todos os pontos do globo. Lembramos, por exemplo, que, na mitologia grega, o deus Apolo mata a poderosa serpente Píton. É a Serpente do Paraíso (personificação de Satã), na teogonia judaico-cristã, que faz o ser humano ‘cair em tentação’. Na China, tanto quanto nos países nórdicos, os dragões (alguns alados) abundam o imaginário do povo. Entre os navegantes europeus, antes das Grandes Viagens Marítimas, entre outras temíveis ‘ameaças’, estavam as serpentes marinhas a apavorar a tripulação de cada nau aventureira.
Por que essas manifestações do mito da serpente têm ocorrência global? Ora, é um animal presente em muitos habitats do mundo todo. É animal diferente, estranho, perigosís-simo e, até mesmo, mortal. Daí possamos concluir vir esse mito a povoar concomitantemente a mitologia de culturas tão díspares no espaço global do planeta .
Aproveitando o ensejo, devemos lembrar que o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1978: 33) afirma ter o ser humano a mesma estrutura mental, onde quer que este esteja geograficamente localizado, seja em tempos idos, atuais, ou no futuro. Assim, os arquétipos míticos se repetiriam em povos que espácio-temporalmente estejam em muito distantes entre si. Por isso, temos aqui a preocupação de associar o relato do Sr. Bahia ao mito irlandês de que um ente sobrenatural − o Leprechaun −, uma espécie de duende, é guardião de um pote de ouro que ele oculta no fim do arco-íris.
Por outro lado, sabemos que, de muito tempo para cá, os mosqueirenses relatam histórias de bolas de fogo que perseguem bicicletas nas estradas. Muitas pessoas falam delas na Beira-Mar, na Prainha do Farol. Dizem alguns que se trata de espíritos guardiães, de cabanos, que protegem os locais onde foram enterrados tesouros deles. E, é bem possível que, em retirada brusca, o fruto de pilhagens na capital, Belém, extremamente pesado, fosse enterrado em pontos de destaque e referência, como ao pé de grandes árvores, ou próximo a grandes rochas. É necessário lembrar, também, que no passado as pessoas tinham o hábito de enterrar dinheiro nos quintais, ou por não confiar nas casas bancárias, ou por causa da inexistência delas, costume europeu trazido até nós pelos portugueses.
Mas, e as bolas de fogo? Podemos, aqui, sugerir uma interpretação científica − contu-do, não a melhor, diríamos − acerca do fato: sabemos que existem organismos em decomposição logo abaixo da superfície do solo, que originariam os fogos-fátuos a partir do metano ( o gás natural) produzido no processo. Com a compressão por causa do peso das rodas das bicicletas e/ou carroças, os gases podem ser expelidos do subsolo, entrando em combustão em contato com a atmosfera. Não seria absurdo relacionar cada fogo-fátuo com espíritos guardiães de tesouros. Porém, trata-se apenas de uma hipótese. Só isso.
A força expressiva, a eloqüência verbal de nosso entrevistado advém, dentre outros recursos lingüísticos, do trânsito que faz entre os níveis de linguagem, flutuando entre o popular/coloquial (passagens e expressões como: “ [...] tinha um cupuaçuzar lá”; [...] tá todo o dinheiro [...]; o uso em excesso do coesivo de progressão temporal “Aí”; entre outros exemplos), o calão ( duas ocorrências: “filha da puta” e “porra”) e, até mesmo, incursionando pela gíria ( “ [...] pegavam todo o dinheiro dos caras [...] e “Te manca comigo!”, por exemplo).
Fazendo análise do discurso do texto da narrativa, verifica-se a ideologia presente e detectada da seguinte forma: há três actantes, mas apenas um é nomeado, o “velho Ângelo”. Já os outros dois, pai e filho, não. O pai é identificado como “preto velho”, “preto”, e o filho dele como “filho do preto”. O personagem Ângelo é que protagoniza a ação de ficar com o pote, sendo, numa análise proppiana, o beneficiário, enquanto o “preto” seria o beneficiador. De qualquer forma, o “preto” é mandado pelo português e enganado por este, que explora sua ingenuidade, reproduzindo uma secular ideologia de dominação que ainda perdura e que, só para alguns, é sutil, pois, na verdade, é gritante.
Não é porque a narrativa do Sr. José Bentes Bahia seja hiperbólica que deva ser me-nosprezada. Um exército cabano, de 4 mil homens, com um forte, é pouco provável. Na oca-sião da batalha no Chapéu-Virado, o presidente cabano (Angelim) estava na capital, Belém. É coerentíssimo, porém, o fato de haver milícia cabana em fuga em 1836, escapando das tropas legalistas pela Baía do Sol rumo a Colares, e dali para Vigia.
Com imensa satisfação de ver nossa pesquisa chegar a termo, encerramos este capítu-lo, que tratou de dar uma visão geral sobre o locus onde se realizou a pesquisa, apresentar os entrevistados com suas narrativas transcritas e, finalmente, as próprias análises dessas narrativas, com as quais muito pudemos aprender, de modo o mais pragmático possível, e consciente e engajado, fato que demonstra que, na ausência de documentação farta, fidedigna e comprobatória, aí entra a História oral, que deve ser encarada como uma ferramenta poderosa para se chegar aos fatos, seus significados e sua importância para o povo − este como motor da História, não os great man.
Considerações finais
Na época em que elaborávamos o projeto desta monografia, questionávamo-nos se as narrativas orais da Ilha de Mosqueiro constituíam “documento vivo”, preservando, em sua estrutura, traços sócio-histórico-culturais, ou seja, perguntávamo-nos se podem elas ser fonte de dados fidedigna sobre economia, relações sociais, fatos históricos relevantes, geografia local, hábitos cotidianos, eventos cíclicos festivos tradicionais, variantes lingüísticas, etc. Agora, com conhecimento de causa, já que procedemos as análises de duas narrativas orais de moradores ilhéus, podemos afirmar, categoricamente, que em tais narrativas há presença de traços sócio-histórico-culturais que preservam a memória local.
No entanto, em grande parte devido a preconceitos contra a oralidade, perdem-se oportunidades ímpares, a partir da História oral, de geração de dados para pesquisas em áreas diversas do conhecimento, com amplas possibilidades de produção científica coletiva e interdisciplinar. De outro lado, entendemos que, ao registrar entrevistas e depoimentos de pessoas de idade já avançada, contribuímos para o resgate do imaginário popular e, de certa forma, valorizamos (e muito!) a sabedoria dessas pessoas, muitas vezes vítimas do preconceito contra idosos, pessoas que geralmente não têm da sociedade a gratidão pela qual fizeram por merecer o respeito que lhes é negado. São, os idosos, um repositório de riqueza cultural e, desse modo, deveriam ser vistas e prestigiadas.
Com relação ao tópico que denominamos de ‘ressurreição da voz’, gostaríamos de desenvolvê-lo e aprofundá-lo num futuro próximo, quem sabe, como temática para pesquisa já em nível de mestrado, pois consideramos de imprescindível relevância para nossa pesquisa o investimento etnográfico em tecnologia para a coleta de dados oral que efetivamos. E reafirmamos nosso ponto de vista de que registros em áudio, ou em audiovisual, salvaguardam para a posteridade a imagem e o som, podendo, assim, haver realmente ‘ressurreição’, não só da voz, mas também da imagem em movimento. Cantores e cantoras, atores e atrizes de teatro terão como preservar para o futuro suas interpretações, fato que nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, não poderia ocorrer.
Não fosse pelos contratempos que enfrentamos, poderíamos transcrever mais narrati-vas, já que teríamos tempo também para entrevistar mais pessoas. É árduo por demais traba-lhar, pesquisar e textualizar trabalhos monográficos de pesquisa, concomitantemente. Contudo, em nada lamentamos o fato de realizar pesquisa de campo. Nós, que tanto prezávamos o conhecimento apenas livresco e quase que menosprezávamos a oralidade em sua imensa riqueza de expressão e significado, pensamos bem diferente neste momento, pelo muito que aprendemos e apreendemos com nossa pesquisa, seja ela no segmento a partir do referencial teórico, isto é, bibliográfica, seja a parte da pesquisa de campo − ambas têm igual valor.
Por tudo isso, não é à toa que nossos agradecimentos, no segmento pré-textual deste trabalho, destinaram-se aos senhores que nos concederam atenciosa, educada e sinceramente seu valioso tempo, para que com eles pudesse aprender da lição da sabedoria do tempo, da experiência, do conhecimento pragmático, empírico, e, acima de tudo, da humildade e da simplicidade que, em diversas situações, a academia prescinde. Observamos que, antes de realizar esta pesquisa, importávamo-nos, em diversas situações, mais com o macro do que com o micro, sem perceber o quanto do macrocontexto está contido em um microcontexto, e vice-versa. Aprendemos, também, a dar maior relevância ao mito como estruturador das relações sociais. E não seria exagero fazer a assertiva de que o mito quase que direciona o processo de interação social, seja ela em estrito ou abrangente contexto.
Assim, conhecer mais nossa terra e nossa gente, nossa memória e o significado desta para nossa própria trajetória de vida, seja a memória intra ou interpessoal, passou a ter, sem dúvida nenhuma, um valor de grau bem superior a antes deste estudo. E perguntamo-nos: “Quem somos nós sem nossa memória, seja ela coletiva, ou individual e egocêntrica? Nada somos sem memória. Ela dá sentido à existência, à vida. Estamos convictos disso”. Esta é a melhor resposta que pudemos encontrar para essa questão, mas pode não ser a única, claro. E sabemos que, neste exato momento, estamos a criar memória para o futuro, fazendo história, todos nós, a History from bellow. Esperamos, sinceramente, com esta monografia, ter contri-buído para preservar a memória espácio-temporal e humana da Ilha de Mosqueiro e estimular o estudo de seu significado para a comunidade local em seu cotidiano processo de interação.
Anexos
O nome de uma praia
Bem, faz bastante tempo atrás (umas cinco ou seis décadas, por aí assim), pró¬ximo à praia localizada entre Areão e Praia Grande, no Mosqueiro, passaram a residir ali alguns reli-giosos da congregação dos maristas. Até hoje ainda fazem retiros espirituais naquela proprie-dade, que é imensa, bela e arborizada. Alguns religiosos tinham o hábito de, esporadicamen-te, fazer passeios naquela tímida enseada. Inclusive, a juventude, em sua imensa maioria, desconhece o fato de que o Círio de Nossa Senhora do Ó (padroeira dos mosqueirenses), em tempos agora remotos, saía da propriedade desses religiosos e seguia pela Beira-Mar, Rua Nossa Senhora do Ó, até a Praça Cipriano santos, onde se localiza, até hoje, a Igreja de Nossa Senhora do Ó, destino lógico da imagem da Virgem.
É, das praias da Ilha, a que mais ostenta seculares e enegrecidas rochas, que, segundo quem professa fé afro-brasileira, emitem bons fluidos para a prática de rituais do candomblé, por exemplo. É lamacenta, pedregosa e dominada por verdejantes capinzais, refúgios de hostis arraias, que aterrorizam os banhistas. Essa praia apresenta algumas peculiaridades, como um extenso muro de arrimo ─ o mais antigo do balneário ─, a impressionante verdura dos vegetais das falésias, onde, um pouco próximo, ficam as imensas pedras Rei (a maior) e Rainha (a menor). Alguns moradores mais antigos da Ilha dizem que os nomes das legendárias pedras foram dados em homenagem ao imperador e à imperatriz (Pedro II e Teresa Cristina). Outra curiosidade é que, “dizque”, se uma maré alta de março cobrir a enorme Pedra Rei, é sinal de que o mundo se acabará.
Na outra extremidade da praia fica a Ilha de São Pedro, onde existia uma monumental imagem do Santo Pescador. No centro, as escadarias duplas (à direita e à esquerda), com três lances de degraus ladeados por pilastras, com pracinha com caramanchão (derrubado, para uma reforma jamais concretizada) e um velho e inativo canhão, além da extremamente exótica arquitetura germânica da mansão Canto do Sabiá.
Naqueles tempos quase imemoriais, contam, um dos religiosos, um tanto introvertido, solitário e esquisito, costumeiramente fazia passeios ao crepúsculo ali naquela praia, bem na beira, mesmo que fosse na vazante, quando as águas recuam por uma linha de, mais ou me-nos, uns duzentos metros. Para pescadores, ou quaisquer outras pessoas que por ali passavam, aquilo parecia-lhes sombrio e sinistro. Ficavam assombrados com aquele vulto negro a passear da Ilha de São Pedro às pedras Rei e Rainha. Segundo dizem, um clima desconfortante e constrangedor tomava conta deles.
Foi aí que em certa tardinha, em recuada época ─ quem sabe lá por uns vinte ou trinta anos após a morte do padre esquisitão ─, uma moça chamada Clarinha, que trabalhava em uma casa de família em frente à praia, como empregada doméstica, foi recolher a roupa do varal. Era de noitinha, já, o tal lusco-fusco, a chegada do claro-escuro confuso da hora da Ave-Maria. E foi aí que aconteceu: Clarinha, ao divisar no escuro uma estranha silhueta, ficou atônita, como que narcotizada, a ponto de um torpor enregelar-lhe corpo e mente. Apavorada, vislumbra uma aterradora aparição. Parecia flutuar. Era enorme, vestia como que uma batina, com chapelão típico de um clérigo. Ele foi passando, passando... e ela, estupefa-ta, congelada, imóvel. Só minutos depois pôde recobrar o controle sobre si. Então, a história/estória se espalhou. Muita gente comentava. Talvez principalmente em vista de não ser a moça a primeira a relatar essa aparição. Só que o estado em que ela se achava no momento, ao tentar contar para a patroa o “causo”, concorria para dar veracidade ao seu relato.
De lá para cá, muitos afirmam ter deparado nas horas mortas com o sinistro clérigo. Daí, de padre a bispo, foi um pulo. E, com o passar das décadas, em vez de bispo, o que se passou a ver foi um bispo sem cabeça, mais apavorante, portanto.
Assim, a bela e melancólica enseada entre as praias do Areão e Praia Grande passou a ser conhecida como Praia do Bispo, ou, simplesmente, Bispo. “Vou lá na Praia do Bispo!” Ou : “Vou lá no Bispo!” ─ É o que dizem hoje os moradores do Mosqueiro.
(Este texto foi adaptado por nós a partir de conversa informal com três pessoas, a quem somos extremamente gratos: Joana Maria de Vasconcelos Rodrigues, Wolney de Vas-concelos Dias e Clarice Cabral Bahia.)
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